José Avillez ergueu um império com vários restaurantes na capital nos últimos 5 anos
“Peça para uma criança desenhar um bacalhau, ela desenha um pedaço de bacalhau seco. Nunca se viu bacalhau fresco por aqui”, diz José Avillez, 38, explicando que o peixe vem dos mares gelados de Noruega, Islândia, Rússia e China. “A sardinha é daqui, o robalo, o dourado, o tamborilho, o imperador, o linguado. A lista não acaba.”
Avillez lidera a modernização da gastronomia portuguesa com mais de uma dúzia de casas, incluindo o sofisticado Belcanto, no bairro de Chiado, primeiro restaurante do país a receber duas estrelas Michelin, em 2014.
A primeira estrela do chef veio em 2009, quando foi o mais novo, aos 30, a comandar a casa mais antiga de Portugal, o Tavares.
“Lá, optei por não modernizar os clássicos, e sim criar pratos novos. Poderia ser mal interpretado se resolvesse desconstruir o bacalhau à brás”, afirma Avillez, sentado numa das mesas do Páteo, especializado em mariscos e peixes, no coração do Bairro do Avillez, complexo inaugurado em 2016 com taberna, mercearia e cabaré.
“Com essa estrela, a cidade começou a reagir de maneira diferente. As pessoas estão dispostas a provar mais coisas. Tradição é também evolução”, diz o chef, autor de quatro livros de receitas.
Robalo é rei
Ao se formar em comunicação empresarial, há quase 20 anos, escreveu uma tese sobre a imagem da gastronomia portuguesa, entrevistando cem especialistas. Depois, mandou-se para a França e a Espanha, onde estudou com Alain Ducasse e Ferran Adrià.
Cinco anos atrás, ele não teria coragem de tocar nos pratos clássicos. Hoje diz não ver problema. Para provar suas invenções, pede ajuda de sua orientadora dos tempos de faculdade e amiga, Maria de Lourdes Modesto, 87, principal autora da culinária tradicional portuguesa.
No Belcanto, o peixe que brilha é o robalo, no prato mergulho no mar, com algas e bivalves (moluscos).
Faz parte de um menu degustação de € 125 (R$ 499) que traz ainda leitão revisitado com batata frita, laranja e salada. “É a barriga do leitão cozinhada a vácuo para ficar crocante. Melhor que o leitão tradicional.”
Nada de bacalhau no menu, com exceção do samos, miúdo de textura gelatinosa que se desfaz na boca, servido com polenta e carabineiro (crustáceo).
“Por muito tempo, principalmente para o brasileiro, o prato português tinha que ser bacalhau. Por isso quis mostrar que consigo fazer um restaurante português com muitos pratos e sem bacalhau”.
Além do Cantinho do Avillez, que serve gastronomia portuguesa em Lisboa e Porto sem a pompa do
Belcanto, o chef também tem uma pizzaria, um bar, um café, um restaurante peruano em parceira com o chef Diego Muñoz e uma casa dedicada a sabores do Oriente Médio.
Com 600 funcionários, 60 mil clientes por mês e outros cinco restaurantes por abrir neste ano, ele diz que o maior desafio é a mão de obra.
Amigo do brasileiro Alex Atala, que considera grande inspiração, o português visita com frequência o Brasil e adora comer feijoada, que ele faz questão de lembrar ser um prato lusitano, embora sem farofa e com feijão branco.
“Digo aos brasileiros para viajarem por Portugal. A feijoada transmontana é diferente da feijoada do Alentejo. Num país pequeno, é curioso ter tantas diferenças regionais na cozinha de base.”
Prata comestível
Nos fundos do Bairro do Avillez, atrás de uma passagem secreta, fica o projeto mais exótico de José Avillez: um jantar-espetáculo inspirado nos anos 1920, chamado Beco - Cabaret Gourmet.
O espaço é intimista, com um palco próximo das poucas mesas pequenas, iluminadas a vela. O menu degustação traz 12 pratos ousados, a começar por uma rosa feita de fatias finíssimas de maçã marinadas em tequila.
Já as cantorias vão do fado tradicional a Radiohead e Britney Spears, com um conjunto de meia dúzia de dançarinas profissionais.
“Meu trisavô abriu o primeiro cabaré de Lisboa, em 1908, inspirado nos franceses”, conta Avillez. “Gosto desse lado do entretenimento. Afinal, as pessoas não estão aqui para matar a fome.”
O jantar, com bebidas à parte, custa € 95 (R$ 379). Por quase três horas, são servidas criações como a “pedra de foie gras” (casquinha com patê), uma releitura do “fish and chips” e a “galinha dos ovos de prata” (folha de prata comestível por cima de ovo cozido a baixa temperatura).
A sobremesa tem formato de batom e é de morango e beterraba, além de sorvete de iogurte e pepino. “A cozinha moderna embaralha sensações”, afirma o chef. “Temos que ter coisas que nos incomodam e outras mais confortáveis. É um caminho de descobertas.”
FONTE : https://www1.folha.uol.com.br
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